Aviso de gatilho: muitos leitores podem achar os relatos deste artigo explícitos e/ou perturbadores.
Em uma visão de mundo sobre a escravidão, a sociedade em geral concorda que é desumano e degradante, e a maioria das pessoas ficam abismadas de que houve momentos na história em que a escravidão foi reconhecida como normal e aceitável. De alguma forma, ainda, muitas pessoas estão aceitando uma forma de escravidão dos tempos modernos: o tráfico sexual humano. E, enquanto muitas pessoas afirmam serem contra tráfico sexual humano, o que muitos não sabem é que a procura pelo tráfico sexual humano é incentivada pela pornografia e pela indústria pornográfica.

Embora ninguém conheça suas origens verdadeiras, a Carta de Willie Lynch declara-se com mais de trezentos anos de idade. [1] De acordo com a história, os colonos da Virgínia em 1712, incapazes de controlar seus escravos, chegaram a um dono de escravos chamado Willie Lynch para obter ajuda. “O seu convite chegou até mim em minha modesta plantação nas Índias Ocidentais,” ele responde, “onde tenho experimentado alguns dos métodos mais novos e ainda os mais antigos para o controle de escravos.” A carta é essencialmente um manual de instruções sobre escravidão—como “quebrar” os escravos, como organizar, fazer lavagem cerebral e configurá-los uns contra os outros para torná-los mais fáceis de subordinar.

Apesar dos questionamentos sobre sua autenticidade, [2] a carta encontrou seu caminho para tudo, desde escritos de Hollywood até discursos políticos, e de listas de leitura de faculdade para álbuns de hip-hop. É como se a carta levasse toda a objetificação, desumanização e brutalidade na visão de mundo da escravidão e as encapsulasse em apenas algumas breves páginas. “Vamos usar o mesmo princípio básico que usamos para domar um cavalo,” a carta explica. “O que fazemos com cavalos é que nós os domamos de uma forma de vida para outra; isto é, nós os reduzimos de seu estado natural na natureza.”

Seja a carta real ou não, parece digno de nota que quando Corey Davis, um cafetão de Nova York, foi preso por investigadores federais em dezembro de 2006, uma cópia da Carta de Willie Lynch estava em seu Mercedes. Os outros títulos da lista de leitura do Sr. Davis incluíam “As 48 leis do poder” e “Quem disse que a prostituição não era fácil?” 

Os livros não foram as únicas coisas apreendidas. Os investigadores também levaram seu relógio de US $ 91.000, as botas Timberland que ele costumava pisar nas garotas quando não obedeciam (os cafetões chamam de “timming”) e, claro, a camiseta que Davis estava vestindo quando foi preso. Ela dizia: “Os espancamentos vão continuar.” [3]

Por que um cafetão moderno de Nova York iria ler um conjunto de 300 anos sobre instruções de como domar um escravo? Considerando o grau de intimidação, coerção, lavagem cerebral e violência que acompanham o tráfico sexual hoje, faz muito sentido.

Quão ruim é o problema do tráfico sexual dos tempos modernos?

Os ativistas contra tráfico sexual ocasionalmente precisam defender o uso da palavra “escravidão.” [4] Algumas pessoas não acreditam que os problemas de tráfico sexual que temos hoje se elevaram a um nível que mereceria uma palavra tão emocionalmente carregada. Outros acham que a palavra de alguma forma romantiza o problema. Na verdade, acredite ou não, debater sobre a palavra “escravo” é apenas uma pequena parte do debate maior sobre o tráfico sexual, especialmente nos Estados Unidos. Algumas pessoas questionam se o problema é realmente tão ruim, ou tão grande, ou tão generalizado, quanto os relatórios o fazem parecer. [5] Outros questionam os motivos dos abolicionistas e ativistas dos direitos humanos na linha de frente da luta. [6]

Aqui na Fight the New Drug, sabemos que o tráfico sexual é um grande problema global e que esta forma moderna de escravidão é inerentemente, inseparavelmente ligada ao problema da pornografia. Porque esta é uma questão de submundo, os números são mais difíceis de se obter, mas em todo caso, os números que refletem o que está realmente acontecendo ao redor do globo são maiores do que o que foi relatado. E não é somente uma pessoa sendo traficada, quando nenhuma deveria ser?

Nosso objetivo é dar-lhe os fatos, então considere este o seu guia rápido para aprender todos os conceitos básicos sobre o tráfico sexual e sua relação com a pornografia. Então você terá as informações que precisa para tirar conclusões e participar da conversa sobre como a pornografia incentiva o tráfico sexual.

O que é tráfico sexual?

As definições legais são técnicas, mas o tráfico sexual é um tipo de tráfico de seres humanos, e o tráfico de seres humanos é exatamente o que parece: traficar seres humanos. Se “tráfico” significa comprar e vender coisas, ou transportar coisas para que possam ser utilizadas para obter lucro, então “tráfico de seres humanos” significa comprar ou vender seres humanos, ou transportar humanos para que possam ser utilizados com fins lucrativos. É a forma mais pura de objetivação—a mercantilização literal de uma pessoa.

Quer você saiba ou não, as chances são muito boas de que, em algum momento da sua vida, você tenha comido frutas que foram colhidas por um escravo, vestido uma camisa que foi feita por um escravo, usado um dispositivo parcialmente produzido por um escravo, ou estado em um prédio que foi construído por um escravo. As estimativas do número de escravos em todo o mundo estão entre 21 e 32 milhões. [7] A grande maioria deles vem de populações vulneráveis como imigrantes, refugiados, os pobres, e crianças. Eles podem ter sido tomados à força ou ludibriados com promessas de bons empregos, apenas para tornarem-se impotentes, num país estrangeiro, sem ter para onde ir. Muitas vezes eles devem dinheiro a pessoas—os traficantes—que os trouxeram. Os traficantes irão manter a dívida acima de suas cabeças, confiscar seus documentos de imigração, ameaçá-los com ação legal ou deportação, ameaçá-los ou a suas famílias com violência, e até mesmo usar violência se as vítimas não se submetem a servidão. Os traficantes são muitas vezes os únicos, que falam a língua das vítimas, e as vitimas se encontram em uma terra estrangeira, longe de casa ou ajuda. Trabalhando nessas circunstâncias, eles lucram cerca de US$ 150 bilhões a cada ano para seus agressores em todos os tipos de indústrias e configurações, de fábricas e fazendas para hotéis e bordéis—inclusive nos Estados Unidos. [8]

Desses milhões de vítimas do tráfico humano global, um pouco menos que um quarto—cerca de 22%—são traficadas para atos sexuais. (Esses 22% lucram gritantes 66% dos lucros do tráfico global! [9]) É isso que tráfico sexual é: quase 22% do tráfico de seres humanos, no qual as vítimas são exploradas para fins sexuais.

Agora, antes de prosseguirmos, nós sabemos o que você está pensando. Esta é a parte onde a maioria das pessoas começar a visualizar a versão de Hollywood do tráfico sexual: meninos e meninas jovens sequestrados ou enganados em algum país do terceiro mundo ou do leste europeu, mantido preso e forçada a fazer pornografia no mercado negro, ou trabalhar como prostitutas em alguns salão de massagens, motel, ou bordel improvisado—ou meninos e meninas das mesmas situações, contrabandeados para os Estados Unidos e abusados de forma parecida.

E sim, essas histórias existem. Elas não são apenas reais; elas estão mais perto de casa do que você imagina. Apenas leia como uma incursão policial para uma pequena casa silenciosa em um subúrbio de classe média de Nova Jersey foi descrita no New York Times:

Em uma denúncia, a polícia de Plainfield invadiu a casa em fevereiro de 2002, esperando encontrar estrangeiros ilegais trabalhando em um bordel de submundo. O que a polícia encontrou foram quatro meninas com idades entre 14 e 17 anos. Todas eram cidadãs mexicanas sem documentação. Mas elas não eram prostitutas; elas eram escravas sexuais. A distinção é importante: essas meninas não estavam trabalhando para obter lucro ou um salário. Elas estavam cativas pelos traficantes e carcereiros que controlavam todos os seus movimentos. … A polícia encontrou um local miserável, equivalente em terra firme a um navio negreiro do século 19, com banheiros sujos e sem portas; colchões vazios e apodrecidos; e um deposito de penicilina, pílulas do dia seguinte e misoprostol, uma medicação antiulcerosa que pode induzir o aborto. As garotas estavam pálidas, exaustas e desnutridas. [10]

Esses são os tipos de situações que as pessoas imaginam quando ouvem a frase, “o tráfico sexual humano.” E você pode ver por que os cineastas gravitam para essa versão. É visceralmente perturbador. A maioria das pessoas ficaria chocada apenas por saber que uma cena como essa seria possível no coração de um subúrbio americano moderno.

Mas aqui está a questão: se essa versão de “Hollywood” é tudo o que você sabe sobre o tráfico sexual, então você está apenas vendo uma parte de um cenário muito mais complexo. Muitas representações de Hollywood, e até muitos dos exemplos de tráfico sexual neste artigo, representam situações em que mulheres e meninas foram vítimas, mas é importante notar que homens e meninos também são vítimas do tráfico sexual humano e parte desse cenário maior e mais complexo. E para entender esse cenário, você tem que entender o LPVT.

O que é o LPVT e por que é tão importante?

No ano 2000, em resposta a relatos de tráfico internacional de seres humanos, uma das mais amplas coligações bipartidárias da história se reuniu para aprovar a Lei de Proteção às Vítimas do Tráfico, ou LPVT. [11] Essa legislação histórica identificou “formas graves” de tráfico de seres humanos, instituiu duras sanções penais para os infratores, e forneceu sistemas de apoio para as vítimas. [12]

A LPVT define o tráfico sexual como uma situação em que “um ato sexual comercial é induzido pela força, fraude ou coerção, ou em que a pessoa induzida a realizar tal ato não atingiu 18 anos de idade.” [13] Foi projetado em resposta ao tráfico sexual internacional, como o exemplo de Nova Jersey que acabamos de descrever, mas teve um resultado interessante. Ela acabou lançando luz sobre todas as formas de tráfico sexual nos Estados Unidos. Veja como um artigo descreveu o efeito:

Um retorno positivo da L.P.V.T. foi que isso chamou a atenção para o tráfico sexual interno—o proxenetismo—que segue os mesmos modelos e padrões que os seus homólogos internacionais. “A lógica era: se você fica de olhos chorosos por uma menina no Camboja, por que não sentir o mesmo por a garota traficada de Iowa?” [14]

Lembra de Corey Davis? O cafetão com o manual de escravos no Mercedes dele? As vítimas dele não foram traficadas de outros países. Elas não foram mantidos em servidão por situações de imigração complicadas ou mantidas constantemente presos por guardas armados. Elas eram americanas. Em vários momentos em suas provações, elas eram fisicamente livres para ir e vir. Davis as mantinha em servidão através de uma combinação de fraude, violência física e intimidação psicológica ao ponto em que elas sentiam que não tinham escolha a não ser obedecer. [15] Outro cafetão que foi processado sob a LPVT teve vítimas que variavam de um fugitivo de doze anos até uma universitária em uma bolsa de estudos. [16] Ao identificar as práticas que constituem o tráfico de seres humanos, a LPVT chamou atenção para todas as instâncias de tráfico, independentemente do local de onde as vítimas vieram.

Mas há mais. Veja novamente a definição da LPVT para tráfico sexual: “Um ato sexual comercial induzido pela força, fraude ou coerção”. Essa última palavra, coerção, é importante. Significa que um ato sexual comercial pode ser de tráfico sexual, mesmo que ninguém tenha sido agredido fisicamente, mesmo que ninguém tenha sido enganado ou defraudado. Tudo o que é preciso é coerção. No momento em que uma vítima foi coagida ou intimidada para um ato sexual comercial contra a sua vontade, o tráfico sexual ocorreu.

Mais uma vez, este aspecto da LPVT lançou nova luz sobre todas as pequenas formas de prostituição e exploração que poderiam de outra forma estar abaixo do radar. Um indivíduo intimida seu cônjuge a prostituir-se. Tráfico. Um namorado ou uma namorada pressiona seu parceiro a se despirem em uma exibição de webcam em tempo real e, em seguida, ameaça mostrar a família e amigos do parceiro se eles não fizerem isso de novo. Tráfico. Um artista pornô aparece no set para descobrir que a cena é muito mais degradante do que tinham sido dito, e seu agente leva-os a passar por isso com a ameaça de cancelar suas outras reservas. De novo: tráfico.

E é aí que as conexões com a pornografia começam.

Como o tráfico sexual está ligado à pornografia?

Eu estava na Califórnia e eu tinha uma cena de sexo oral. […] Eu vou lá e ele está, tipo, “Oh, sim, é um boquete forçado”, e eu estou, tipo, “O quê?” Apenas um cara, uma pequena câmera em um tripé. […] eu estava com medo. Eu estava aterrorizada. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia se eu devia dizer não a ele. Ou o fato de que já gravamos 15 minutos disso, se eu poderia simplesmente sair. Então, o que? Foi quando eu entendi como as vítimas de estupro se sentem. Tipo, elas se sentem mal a cerca de si mesmas. [17]

Há todos os tipos de conexões, grandes e pequenas, entre pornografia e tráfico sexual. Existem conexões incidentais, como o fato de que a exposição à pornografia tem mostrado fazer com que os telespectadores estejam menos compassivos em relação às vítimas de violência e exploração sexual. [18] (Veja Como o consumo de pornografia pode levar à violência.)  Existem conexões de “oferta e procura”: o simples fato de que a pornografia—especialmente quando a visão de hábitos e fantasias envolvem violência ou outros fetiches—aumenta a demanda por tráfico sexual, à medida que mais e mais espectadores querem atuar o que veem. Existe a conexão “manual de treinamento”: o fato bem documentado de que a pornografia informa diretamente o que está acontecendo no tráfico. Os traficantes e os compradores de sexo obtêm ideias vindas da pornografia e, em seguida, fazem suas vítimas assistirem como uma maneira de mostrar o que elas deveriam fazer, de modo que a fantasia violenta inventada por algum diretor de pornografia e seus atores se torne a realidade para algumas vítimas do tráfico. [19] E, em seguida, há a conexão do fator de risco: o fato de que, juntamente com a pobreza e o abuso de drogas, uma criança que cresce em uma casa onde a pornografia é consumida regularmente é muito mais provável que seja traficada em algum momento de sua vida. [20]

Mas qual é a maior e mais surpreendente conexão entre pornografia e tráfico? É esta: elas geralmente são a mesma coisa. Podemos passar horas e horas apontando essas relações simbióticas de causa e efeito entre o tráfico e a pornografia. Essas conexões são reais, e essa é uma conversa importante de se ter. Mas não vamos permitir isso entrincheirar a ideia de que a pornografia e o tráfico sexual estão sempre separados. Muito mais frequentemente do que as pessoas percebem, não estão.

Como o tráfico sexual e a pornografia são a mesma coisa?

Para começar, quase metade das vítimas do tráfico sexual informam que foi feito pornografia com eles enquanto estavam presos. [21] A vítima não vai recorrer à câmera e anunciar que está sendo traficada, e essas imagens e vídeos por sites pornográficos convencionais, onde ficam indistinguíveis. Na verdade, mesmo que a vítima registre sua angústia, ainda é impossível saber, porque a pornografia com a temática de violência e estupro tornou-se convencional. Uma sobrevivente feminina, cujo captor dormia em cima dela durante a noite, para que ela não escapasse, a observava através de um buraco quando ela ia ao banheiro e ouvia seus telefonemas com uma arma apontada para a cabeça dela, foi forçada a aparecer em um vídeo que criou a lista de “produções positivas para o sexo” do Sinclair Intimacy Institute. [22] “Toda vez que alguém assiste a esse filme”, disse ela, “eles estão me assistindo ser estuprada.” (Veja Os segredos obscuros da indústria pornográfica.)

Mais dois exemplos: a edição de julho de 2007 da Taboo, uma publicação de propriedade da Hustler, apresentou um destaque de várias páginas de uma jovem mulher presa e abusada sexualmente por seus captores. Eles fizeram fotos e vídeos dela e os venderam como pornografia. [23] Em outro caso, um júri de Miami condenou dois homens de atrair mulheres para a Flórida para audição para trabalhos de modelos, as drogando, filmando sendo estupradas e vendendo as imagens como pornografia online e para lojas em todo os EUA. Isso continuou por cinco anos. [24] Quantos desses vídeos, em cinco anos, foram vistos por indivíduos que nunca sonharam em contribuir para o tráfico humano, que supuseram que estavam assistindo o trabalho de artistas que concordavam?

Mas “consentimento” é uma palavra traiçoeira no mundo da pornografia. E de todas as formas em que a pornografia e o tráfico sexual se sobrepõem, o segredo mais sombrio e mais surpreendente de todos pode ser este: mesmo na produção de pornografia convencional, o tráfico sexual é uma ocorrência regular. Lembre-se, isso não requer sequestro ou ameaças de violência. Tudo o que é preciso é coerção:

“Fui ameaçada de que, se eu não fizesse a cena, eu seria processada por muito dinheiro.”

“[Eu] disse-lhes para parar, mas eles não pararam até eu começar a chorar e arruinar a cena.”

“Ele me disse que eu tinha que fazer isso e se eu não conseguisse, ele iria me cobrar e eu perderia qualquer outro agendamento que eu tivesse, porque eu faria sua agência parecer ruim.” [25]

Nenhuma dessas citações é de alguém que estava acorrentado em um quarto. Nenhuma deles são de vítimas que foram espancadas em submissão ou na mira de uma arma em algum reles bordel. Cada um desses atores dirigiu para casa no final da filmagem e cobrou um cheque de pagamento. Mas isto soa como consentimento? Ou soa como coerção? (Veja Os segredos obscuros da indústria pornográfica.)

Este aspecto do mundo pornográfico é tão comum, você nem precisa ir aos sites antipornografia, ou conversar com ex-artistas pornográficos para ouvir sobre isso. Artistas atuais de pornografia contam as mesmas histórias. Isso fala muito sobre a cultura e as expectativas do setor de pornografia que muitas vezes, quando você ouve essas mesmas queixas de pessoas ainda dentro do negócio, elas enquadram em termos de um agente, diretor ou ator “não profissional”. Como uma questão jurídica, sob a LPVT, estas não são apenas as pessoas que são ruins em seu trabalho; estes são crimes potenciais de tráfico sexual, puníveis com até vinte anos de prisão. Na verdade, de acordo com a definição das Nações Unidas de tráfico humano, não importa se a vítima disse que não: “o consentimento da pessoa traficada torna-se irrelevante quando qualquer um dos ‘meios’ de tráfico [coerção, fraude, ameaça de força, etc.] for usado.”[26]

Conclusão

O tráfico sexual é a escravidão dos tempos modernos?

Nós vimos que o termo “tráfico sexual”, como um assunto legal, pode se aplicar a todos os tipos de situações, desde as condições de calabouço de um bordel do mercado negro até a simples coação e intimidação que podem ocorrer no set moderno de uma filmagem de pornografia. Com uma gama tão ampla de delitos, é compreensível se parece pesado estampar a palavra “escravidão” em todo o assunto. Mesmo nos exemplos mais pesados, os abusadores não são “proprietários” de suas vítimas. Os governos não sancionam o comportamento. Pode-se razoavelmente perguntar: Por que até mesmo fazer a comparação?

Mas, novamente, por que um cafetão moderno tem um manual de escravidão pousado no banco de trás de seu carro?

A defensora de sobreviventes, Minh Dang, faz uma observação interessante. Às vezes, tendemos a definir o tráfico de seres humanos apenas nos termos legais do que o perpetrador faz, em vez do que a vítima experimenta: “Se compararmos a escravidão e o tráfico de seres humanos, precisamos ser claros sobre se estamos falando de escravidão como instituição, escravidão como atividade econômica ou escravidão como condição da escravização da pessoa”.

Ela continua, “Nem tudo é escravidão, e isso está ok. […] Isso não significa que as atividades fora da escravidão não sejam tão horríveis quanto”. [27]

Então o que é escravidão e o que é apenas horrendo? Quanto tempo uma pessoa tem que explorar o corpo de outro ser humano antes que isso se qualifique como a escravidão? Uma década? Um ano? Uma hora? Quão horríveis as experiências das vítimas devem ser?

Nos velhos tempos do inimaginável Mercado de Escravos do Atlântico, os comerciantes de escravos costumavam espalhar bugigangas e retalhos de tecido vermelho brilhante ao longo das praias da África Ocidental e até as rampas de seus navios. Suas vítimas subiam as rampas e para a escravidão, atraídas por luxos e encantos brilhantes além de qualquer coisa que já haviam visto. [28]

Quais são as iscas hoje?

“Venha para a Flórida para começar a sua carreira de modelo!”

“Venha para a América para uma vida melhor!”

“Eu farei de você uma estrela!”

O tráfico sexual é a experiência de ser atraído para longe da segurança e para uma situação em que uma pessoa pode ser dominada e explorada por outro ser humano. A vitimização pode durar anos, pode durar minutos, mas o traço comum permanece o mesmo.

Muito antes da Guerra Civil Americana, milhões de americanos haviam chegado à conclusão de que a escravidão era maléfica. Eles a condenaram. Eles pregavam sermões sobre isso. Eles publicaram livros, panfletos, e folhetos abolicionistas. Eles resgataram escravos. Eles foram para o Congresso. Então por que o problema persiste por décadas?

Porque enquanto eles estavam condenando, pregando, e publicando sobre os males da escravidão, eles também estavam vestindo as camisas de algodão que ela produzia.

O tráfico sexual moderno compartilha uma variedade de conexões simbióticas com a pornografia. Muitas vezes eles são uma mesma coisa. Você pode odiar uma coisa. Você pode ficar revoltado com isso. Mas se você continuar a sustentar e a se envolver com a indústria que ajuda a dar vida a ela, de que vale a sua indignação? Faça valer a pena, seja uma voz contra a escravidão dos tempos modernos. Seja uma voz contra exploração sexual e pare a procura pelo tráfico sexual por meio da pornografia.

Embora ninguém conheça suas origens verdadeiras, a Carta de Willie Lynch declara-se com mais de trezentos anos de idade. [1] De acordo com a história, os colonos da Virgínia em 1712, incapazes de controlar seus escravos, chegaram a um dono de escravos chamado Willie Lynch para obter ajuda. “O seu convite chegou até mim em minha modesta plantação nas Índias Ocidentais,” ele responde, “onde tenho experimentado alguns dos métodos mais novos e ainda os mais antigos para o controle de escravos.” A carta é essencialmente um manual de instruções sobre escravidão—como “quebrar” os escravos, como organizar, fazer lavagem cerebral e configurá-los uns contra os outros para torná-los mais fáceis de subordinar.

Apesar dos questionamentos sobre sua autenticidade, [2] a carta encontrou seu caminho para tudo, desde escritos de Hollywood até discursos políticos, e de listas de leitura de faculdade para álbuns de hip-hop. É como se a carta levasse toda a objetificação, desumanização e brutalidade na visão de mundo da escravidão e as encapsulasse em apenas algumas breves páginas. “Vamos usar o mesmo princípio básico que usamos para domar um cavalo,” a carta explica. “O que fazemos com cavalos é que nós os domamos de uma forma de vida para outra; isto é, nós os reduzimos de seu estado natural na natureza.”

Seja a carta real ou não, parece digno de nota que quando Corey Davis, um cafetão de Nova York, foi preso por investigadores federais em dezembro de 2006, uma cópia da Carta de Willie Lynch estava em seu Mercedes. Os outros títulos da lista de leitura do Sr. Davis incluíam “As 48 leis do poder” e “Quem disse que a prostituição não era fácil?” 

Os livros não foram as únicas coisas apreendidas. Os investigadores também levaram seu relógio de US $ 91.000, as botas Timberland que ele costumava pisar nas garotas quando não obedeciam (os cafetões chamam de “timming”) e, claro, a camiseta que Davis estava vestindo quando foi preso. Ela dizia: “Os espancamentos vão continuar.” [3]

Por que um cafetão moderno de Nova York iria ler um conjunto de 300 anos sobre instruções de como domar um escravo? Considerando o grau de intimidação, coerção, lavagem cerebral e violência que acompanham o tráfico sexual hoje, faz muito sentido.

Quão ruim é o problema do tráfico sexual dos tempos modernos?

Os ativistas contra tráfico sexual ocasionalmente precisam defender o uso da palavra “escravidão.” [4] Algumas pessoas não acreditam que os problemas de tráfico sexual que temos hoje se elevaram a um nível que mereceria uma palavra tão emocionalmente carregada. Outros acham que a palavra de alguma forma romantiza o problema. Na verdade, acredite ou não, debater sobre a palavra “escravo” é apenas uma pequena parte do debate maior sobre o tráfico sexual, especialmente nos Estados Unidos. Algumas pessoas questionam se o problema é realmente tão ruim, ou tão grande, ou tão generalizado, quanto os relatórios o fazem parecer. [5] Outros questionam os motivos dos abolicionistas e ativistas dos direitos humanos na linha de frente da luta. [6]

Aqui na Fight the New Drug, sabemos que o tráfico sexual é um grande problema global e que esta forma moderna de escravidão é inerentemente, inseparavelmente ligada ao problema da pornografia. Porque esta é uma questão de submundo, os números são mais difíceis de se obter, mas em todo caso, os números que refletem o que está realmente acontecendo ao redor do globo são maiores do que o que foi relatado. E não é somente uma pessoa sendo traficada, quando nenhuma deveria ser?

Nosso objetivo é dar-lhe os fatos, então considere este o seu guia rápido para aprender todos os conceitos básicos sobre o tráfico sexual e sua relação com a pornografia. Então você terá as informações que precisa para tirar conclusões e participar da conversa sobre como a pornografia incentiva o tráfico sexual.

O que é tráfico sexual?

As definições legais são técnicas, mas o tráfico sexual é um tipo de tráfico de seres humanos, e o tráfico de seres humanos é exatamente o que parece: traficar seres humanos. Se “tráfico” significa comprar e vender coisas, ou transportar coisas para que possam ser utilizadas para obter lucro, então “tráfico de seres humanos” significa comprar ou vender seres humanos, ou transportar humanos para que possam ser utilizados com fins lucrativos. É a forma mais pura de objetivação—a mercantilização literal de uma pessoa.

Quer você saiba ou não, as chances são muito boas de que, em algum momento da sua vida, você tenha comido frutas que foram colhidas por um escravo, vestido uma camisa que foi feita por um escravo, usado um dispositivo parcialmente produzido por um escravo, ou estado em um prédio que foi construído por um escravo. As estimativas do número de escravos em todo o mundo estão entre 21 e 32 milhões. [7] A grande maioria deles vem de populações vulneráveis como imigrantes, refugiados, os pobres, e crianças. Eles podem ter sido tomados à força ou ludibriados com promessas de bons empregos, apenas para tornarem-se impotentes, num país estrangeiro, sem ter para onde ir. Muitas vezes eles devem dinheiro a pessoas—os traficantes—que os trouxeram. Os traficantes irão manter a dívida acima de suas cabeças, confiscar seus documentos de imigração, ameaçá-los com ação legal ou deportação, ameaçá-los ou a suas famílias com violência, e até mesmo usar violência se as vítimas não se submetem a servidão. Os traficantes são muitas vezes os únicos, que falam a língua das vítimas, e as vitimas se encontram em uma terra estrangeira, longe de casa ou ajuda. Trabalhando nessas circunstâncias, eles lucram cerca de US$ 150 bilhões a cada ano para seus agressores em todos os tipos de indústrias e configurações, de fábricas e fazendas para hotéis e bordéis—inclusive nos Estados Unidos. [8]

Desses milhões de vítimas do tráfico humano global, um pouco menos que um quarto—cerca de 22%—são traficadas para atos sexuais. (Esses 22% lucram gritantes 66% dos lucros do tráfico global! [9]) É isso que tráfico sexual é: quase 22% do tráfico de seres humanos, no qual as vítimas são exploradas para fins sexuais.

Agora, antes de prosseguirmos, nós sabemos o que você está pensando. Esta é a parte onde a maioria das pessoas começar a visualizar a versão de Hollywood do tráfico sexual: meninos e meninas jovens sequestrados ou enganados em algum país do terceiro mundo ou do leste europeu, mantido preso e forçada a fazer pornografia no mercado negro, ou trabalhar como prostitutas em alguns salão de massagens, motel, ou bordel improvisado—ou meninos e meninas das mesmas situações, contrabandeados para os Estados Unidos e abusados de forma parecida.

E sim, essas histórias existem. Elas não são apenas reais; elas estão mais perto de casa do que você imagina. Apenas leia como uma incursão policial para uma pequena casa silenciosa em um subúrbio de classe média de Nova Jersey foi descrita no New York Times:

Em uma denúncia, a polícia de Plainfield invadiu a casa em fevereiro de 2002, esperando encontrar estrangeiros ilegais trabalhando em um bordel de submundo. O que a polícia encontrou foram quatro meninas com idades entre 14 e 17 anos. Todas eram cidadãs mexicanas sem documentação. Mas elas não eram prostitutas; elas eram escravas sexuais. A distinção é importante: essas meninas não estavam trabalhando para obter lucro ou um salário. Elas estavam cativas pelos traficantes e carcereiros que controlavam todos os seus movimentos. … A polícia encontrou um local miserável, equivalente em terra firme a um navio negreiro do século 19, com banheiros sujos e sem portas; colchões vazios e apodrecidos; e um deposito de penicilina, pílulas do dia seguinte e misoprostol, uma medicação antiulcerosa que pode induzir o aborto. As garotas estavam pálidas, exaustas e desnutridas. [10]

Esses são os tipos de situações que as pessoas imaginam quando ouvem a frase, “o tráfico sexual humano.” E você pode ver por que os cineastas gravitam para essa versão. É visceralmente perturbador. A maioria das pessoas ficaria chocada apenas por saber que uma cena como essa seria possível no coração de um subúrbio americano moderno.

Mas aqui está a questão: se essa versão de “Hollywood” é tudo o que você sabe sobre o tráfico sexual, então você está apenas vendo uma parte de um cenário muito mais complexo. Muitas representações de Hollywood, e até muitos dos exemplos de tráfico sexual neste artigo, representam situações em que mulheres e meninas foram vítimas, mas é importante notar que homens e meninos também são vítimas do tráfico sexual humano e parte desse cenário maior e mais complexo. E para entender esse cenário, você tem que entender o LPVT.

O que é o LPVT e por que é tão importante?

No ano 2000, em resposta a relatos de tráfico internacional de seres humanos, uma das mais amplas coligações bipartidárias da história se reuniu para aprovar a Lei de Proteção às Vítimas do Tráfico, ou LPVT. [11] Essa legislação histórica identificou “formas graves” de tráfico de seres humanos, instituiu duras sanções penais para os infratores, e forneceu sistemas de apoio para as vítimas. [12]

A LPVT define o tráfico sexual como uma situação em que “um ato sexual comercial é induzido pela força, fraude ou coerção, ou em que a pessoa induzida a realizar tal ato não atingiu 18 anos de idade”. [13] Foi projetado em resposta ao tráfico sexual internacional, como o exemplo de Nova Jersey que acabamos de descrever, mas teve um resultado interessante. Ela acabou lançando luz sobre todas as formas de tráfico sexual nos Estados Unidos. Veja como um artigo descreveu o efeito:

Um retorno positivo da L.P.V.T. foi que isso chamou a atenção para o tráfico sexual interno—o proxenetismo—que segue os mesmos modelos e padrões que os seus homólogos internacionais. “A lógica era: se você fica de olhos chorosos por uma menina no Camboja, por que não sentir o mesmo por a garota traficada de Iowa?” [14]

Lembra de Corey Davis? O cafetão com o manual de escravos no Mercedes dele? As vítimas dele não foram traficadas de outros países. Elas não foram mantidos em servidão por situações de imigração complicadas ou mantidas constantemente presos por guardas armados. Elas eram americanas. Em vários momentos em suas provações, elas eram fisicamente livres para ir e vir. Davis as mantinha em servidão através de uma combinação de fraude, violência física e intimidação psicológica ao ponto em que elas sentiam que não tinham escolha a não ser obedecer. [15] Outro cafetão que foi processado sob a LPVT teve vítimas que variavam de um fugitivo de doze anos até uma universitária em uma bolsa de estudos. [16] Ao identificar as práticas que constituem o tráfico de seres humanos, a LPVT chamou atenção para todas as instâncias de tráfico, independentemente do local de onde as vítimas vieram.

Mas há mais. Veja novamente a definição da LPVT para tráfico sexual: “Um ato sexual comercial induzido pela força, fraude ou coerção”. Essa última palavra, coerção, é importante. Significa que um ato sexual comercial pode ser de tráfico sexual, mesmo que ninguém tenha sido agredido fisicamente, mesmo que ninguém tenha sido enganado ou defraudado. Tudo o que é preciso é coerção. No momento em que uma vítima foi coagida ou intimidada para um ato sexual comercial contra a sua vontade, o tráfico sexual ocorreu.

Mais uma vez, este aspecto da LPVT lançou nova luz sobre todas as pequenas formas de prostituição e exploração que poderiam de outra forma estar abaixo do radar. Um indivíduo intimida seu cônjuge a prostituir-se. Tráfico. Um namorado ou uma namorada pressiona seu parceiro a se despirem em uma exibição de webcam em tempo real e, em seguida, ameaça mostrar a família e amigos do parceiro se eles não fizerem isso de novo. Tráfico. Um artista pornô aparece no set para descobrir que a cena é muito mais degradante do que tinham sido dito, e seu agente leva-os a passar por isso com a ameaça de cancelar suas outras reservas. De novo: tráfico.

E é aí que as conexões com a pornografia começam.

Como o tráfico sexual está ligado à pornografia?

Eu estava na Califórnia e eu tinha uma cena de sexo oral. […] Eu vou lá e ele está, tipo, “Oh, sim, é um boquete forçado”, e eu estou, tipo, “O quê?” Apenas um cara, uma pequena câmera em um tripé. […] eu estava com medo. Eu estava aterrorizada. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia se eu devia dizer não a ele. Ou o fato de que já gravamos 15 minutos disso, se eu poderia simplesmente sair. Então, o que? Foi quando eu entendi como as vítimas de estupro se sentem. Tipo, elas se sentem mal a cerca de si mesmas. [17]

Há todos os tipos de conexões, grandes e pequenas, entre pornografia e tráfico sexual. Existem conexões incidentais, como o fato de que a exposição à pornografia tem mostrado fazer com que os telespectadores estejam menos compassivos em relação às vítimas de violência e exploração sexual. [18] (Veja Como o Consumo de Pornografia Pode Levar À Violência.)  Existem conexões de “oferta e procura”: o simples fato de que a pornografia—especialmente quando a visão de hábitos e fantasias envolvem violência ou outros fetiches—aumenta a demanda por tráfico sexual, à medida que mais e mais espectadores querem atuar o que veem. Existe a conexão “manual de treinamento”: o fato bem documentado de que a pornografia informa diretamente o que está acontecendo no tráfico. Os traficantes e os compradores de sexo obtêm ideias vindas da pornografia e, em seguida, fazem suas vítimas assistirem como uma maneira de mostrar o que elas deveriam fazer, de modo que a fantasia violenta inventada por algum diretor de pornografia e seus atores se torne a realidade para algumas vítimas do tráfico. [19] E, em seguida, há a conexão do fator de risco: o fato de que, juntamente com a pobreza e o abuso de drogas, uma criança que cresce em uma casa onde a pornografia é consumida regularmente é muito mais provável que seja traficada em algum momento de sua vida. [20]

Mas qual é a maior e mais surpreendente conexão entre pornografia e tráfico? É esta: elas geralmente são a mesma coisa. Podemos passar horas e horas apontando essas relações simbióticas de causa e efeito entre o tráfico e a pornografia. Essas conexões são reais, e essa é uma conversa importante de se ter. Mas não vamos permitir isso entrincheirar a ideia de que a pornografia e o tráfico sexual estão sempre separados. Muito mais frequentemente do que as pessoas percebem, não estão.

Como o tráfico sexual e a pornografia são a mesma coisa?

Para começar, quase metade das vítimas do tráfico sexual informam que foi feito pornografia com eles enquanto estavam presos. [21] A vítima não vai recorrer à câmera e anunciar que está sendo traficada, e essas imagens e vídeos por sites pornográficos convencionais, onde ficam indistinguíveis. Na verdade, mesmo que a vítima registre sua angústia, ainda é impossível saber, porque a pornografia com a temática de violência e estupro tornou-se convencional. Uma sobrevivente feminina, cujo captor dormia em cima dela durante a noite, para que ela não escapasse, a observava através de um buraco quando ela ia ao banheiro e ouvia seus telefonemas com uma arma apontada para a cabeça dela, foi forçada a aparecer em um vídeo que criou a lista de “produções positivas para o sexo” do Sinclair Intimacy Institute. [22] “Toda vez que alguém assiste a esse filme”, disse ela, “eles estão me assistindo ser estuprada”. (Veja Os Segredos Obscuros da Indústria Pornográfica.)

Mais dois exemplos: a edição de julho de 2007 da Taboo, uma publicação de propriedade da Hustler, apresentou um destaque de várias páginas de uma jovem mulher presa e abusada sexualmente por seus captores. Eles fizeram fotos e vídeos dela e os venderam como pornografia. [23] Em outro caso, um júri de Miami condenou dois homens de atrair mulheres para a Flórida para audição para trabalhos de modelos, as drogando, filmando sendo estupradas e vendendo as imagens como pornografia online e para lojas em todo os EUA. Isso continuou por cinco anos. [24] Quantos desses vídeos, em cinco anos, foram vistos por indivíduos que nunca sonharam em contribuir para o tráfico humano, que supuseram que estavam assistindo o trabalho de artistas que concordavam?

Mas “consentimento” é uma palavra traiçoeira no mundo da pornografia. E de todas as formas em que a pornografia e o tráfico sexual se sobrepõem, o segredo mais sombrio e mais surpreendente de todos pode ser este: mesmo na produção de pornografia convencional, o tráfico sexual é uma ocorrência regular. Lembre-se, isso não requer sequestro ou ameaças de violência. Tudo o que é preciso é coerção:

“Fui ameaçada de que, se eu não fizesse a cena, eu seria processada por muito dinheiro.”

“[Eu] disse-lhes para parar, mas eles não pararam até eu começar a chorar e arruinar a cena.”

“Ele me disse que eu tinha que fazer isso e se eu não conseguisse, ele iria me cobrar e eu perderia qualquer outro agendamento que eu tivesse, porque eu faria sua agência parecer ruim.” [25]

Nenhuma dessas citações é de alguém que estava acorrentado em um quarto. Nenhuma deles são de vítimas que foram espancadas em submissão ou na mira de uma arma em algum reles bordel. Cada um desses atores dirigiu para casa no final da filmagem e cobrou um cheque de pagamento. Mas isto soa como consentimento? Ou soa como coerção? (Veja Os Segredos Obscuros da Indústria Pornográfica.)

Este aspecto do mundo pornográfico é tão comum, você nem precisa ir aos sites antipornografia, ou conversar com ex-artistas pornográficos para ouvir sobre isso. Artistas atuais de pornografia contam as mesmas histórias. Isso fala muito sobre a cultura e as expectativas do setor de pornografia que muitas vezes, quando você ouve essas mesmas queixas de pessoas ainda dentro do negócio, elas enquadram em termos de um agente, diretor ou ator “não profissional”. Como uma questão jurídica, sob a LPVT, estas não são apenas as pessoas que são ruins em seu trabalho; estes são crimes potenciais de tráfico sexual, puníveis com até vinte anos de prisão. Na verdade, de acordo com a definição das Nações Unidas de tráfico humano, não importa se a vítima disse que não: “o consentimento da pessoa traficada torna-se irrelevante quando qualquer um dos ‘meios’ de tráfico [coerção, fraude, ameaça de força, etc.] for usado.”[26]

Conclusão

O tráfico sexual é a escravidão dos tempos modernos?

Nós vimos que o termo “tráfico sexual”, como um assunto legal, pode se aplicar a todos os tipos de situações, desde as condições de calabouço de um bordel do mercado negro até a simples coação e intimidação que podem ocorrer no set moderno de uma filmagem de pornografia. Com uma gama tão ampla de delitos, é compreensível se parece pesado estampar a palavra “escravidão” em todo o assunto. Mesmo nos exemplos mais pesados, os abusadores não são “proprietários” de suas vítimas. Os governos não sancionam o comportamento. Pode-se razoavelmente perguntar: Por que até mesmo fazer a comparação?

Mas, novamente, por que um cafetão moderno tem um manual de escravidão pousado no banco de trás de seu carro?

A defensora de sobreviventes, Minh Dang, faz uma observação interessante. Às vezes, tendemos a definir o tráfico de seres humanos apenas nos termos legais do que o perpetrador faz, em vez do que a vítima experimenta: “Se compararmos a escravidão e o tráfico de seres humanos, precisamos ser claros sobre se estamos falando de escravidão como instituição, escravidão como atividade econômica ou escravidão como condição da escravização da pessoa”.

Ela continua, “Nem tudo é escravidão, e isso está ok. […] Isso não significa que as atividades fora da escravidão não sejam tão horríveis quanto”. [27]

Então o que é escravidão e o que é apenas horrendo? Quanto tempo uma pessoa tem que explorar o corpo de outro ser humano antes que isso se qualifique como a escravidão? Uma década? Um ano? Uma hora? Quão horríveis as experiências das vítimas devem ser?

Nos velhos tempos do inimaginável Mercado de Escravos do Atlântico, os comerciantes de escravos costumavam espalhar bugigangas e retalhos de tecido vermelho brilhante ao longo das praias da África Ocidental e até as rampas de seus navios. Suas vítimas subiam as rampas e para a escravidão, atraídas por luxos e encantos brilhantes além de qualquer coisa que já haviam visto. [28]

Quais são as iscas hoje?

“Venha para a Flórida para começar a sua carreira de modelo!”

“Venha para a América para uma vida melhor!”

“Eu farei de você uma estrela!”

O tráfico sexual é a experiência de ser atraído para longe da segurança e para uma situação em que uma pessoa pode ser dominada e explorada por outro ser humano. A vitimização pode durar anos, pode durar minutos, mas o traço comum permanece o mesmo.

Muito antes da Guerra Civil Americana, milhões de americanos haviam chegado à conclusão de que a escravidão era maléfica. Eles a condenaram. Eles pregavam sermões sobre isso. Eles publicaram livros, panfletos, e folhetos abolicionistas. Eles resgataram escravos. Eles foram para o Congresso. Então por que o problema persiste por décadas?

Porque enquanto eles estavam condenando, pregando, e publicando sobre os males da escravidão, eles também estavam vestindo as camisas de algodão que ela produzia.

O tráfico sexual moderno compartilha uma variedade de conexões simbióticas com a pornografia. Muitas vezes eles são uma mesma coisa. Você pode odiar uma coisa. Você pode ficar revoltado com isso. Mas se você continuar a sustentar e a se envolver com a indústria que ajuda a dar vida a ela, de que vale a sua indignação? Faça valer a pena, seja uma voz contra a escravidão dos tempos modernos. Seja uma voz contra exploração sexual e pare a procura pelo tráfico sexual por meio da pornografia.

Citations
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[2] Ampim, M. (2014, May 1. ) Death Of The Willie Lynch Speech. Retrieved from http://www.lb7.uscourts.gov/documents/13-28441.pdf;
Willie Lynch is Dead (1712?-2003). (n.d.). Retrieved from http://web.archive.org/web/20031003153215/http://www.africana.com/articles/daily/ht20030929lynch.asp
[3] Cowan, A. L. (1216397989). What a Pimp Reads. Retrieved from https://cityroom.blogs.nytimes.com/2008/07/18/what-a-pimp-reads/
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[7] Facts About Modern-Day Slavery | Anka Rising. (n.d.). Retrieved from http://www.ankarising.org/slavery/facts-about-modern-day-slavery/
[8] The Facts. (2015, October 12). Retrieved from https://polarisproject.org/facts
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[10] The Girls Next Door – The New York Times. (2004, Jan 25). Retrieved from http://www.nytimes.com/2004/01/25/magazine/the-girls-next-door.html
[11] Trafficking Victims Protection Act (TVPA) of 2000, Pub. L. No. 106–386, Section 102(a), 114 Stat. 1464.
[12] Trafficking Victims Protection Act. (2009, November 29). Retrieved from https://fightslaverynow.org/why-fight-there-are-27-million-reasons/the-law-and-trafficking/trafficking-victims-protection-act/trafficking-victims-protection-act/
[13] Trafficking Victims Protection Act (TVPA) of 2000, Pub. L. No. 106–386, Section 102(a), 114 Stat. 1464.
[14] Collins, Amy. (2011). Sex Trafficking of Americans: The Girls Next Door. Vanity Fair. Retrieved from http://www.vanityfair.com/news/2011/05/sex-trafficking-201105
[15] United States Department of Justice. (2008, May 14). Leader of New York-Connecticut Sex-Trafficking Ring Pleads Guilty. Retrieved from https://www.justice.gov/archive/opa/pr/2008/March/08_crt_208.html
[16] Collins, Amy. (2011). Sex Trafficking of Americans: The Girls Next Door. Vanity Fair. Retrieved from http://www.vanityfair.com/news/2011/05/sex-trafficking-201105
[17] Hot Girls Wanted. Netflix
[18] Zillmann and Bryant, “Effects of Massive Exposure to Pornography” in Pornography and Sexual Aggression, Eds. Neil M. Malamuth and Edward Donerstein (New York: Academic Press, 1984 and J. V. P. Check and T. H. Guloien, “The Effects of Repeated Exposure to Sexually Violent Pornography, Nonviolent Dehumanizing Pornography, and Erotica,” in Pornography: Recent Research, Interpretations, and Policy Considerations, Eds. D. Zillmann and J. Bryant (Hillsdale, N.J.: Erlbaum, 1989)
[19] Dr. Karen Countryman-Roswurm, LMSW, Ph.D. Interview || Truth About Porn [Video file]. (2016, December 28). Retrieved from https://vimeo.com/190317258
[20] Countryman-Roswurm, Karen (2017). Primed for Perpetration: Porn And The Perpetuation Of Sex Trafficking. Guest blog for FTND, retrieved from http://fightthenewdrug.org/fighting-sex-trafficking-absolutely-includes-fighting-pornography/
[21] Thorn, “A Report on the Use of Technology to Recruit, Groom, And Sell Domestic Minor Sex Trafficking Victim (2015). Retrieved from https://www.wearethorn.org/wp-content/uploads/2015/02/Survivor_Survey_r5.pdf
[22] Catharine A. MacKinnon, Are Women Human? (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2007
[23] U.S. Attorney’s Office for the Western District of Missouri, “Victim Tortured as Slave, Forced into Sex Trafficking and Forced Labor,” press release, March 30, 2011.
[24] U.S. Department of Justice, “Two Men Sentenced to Multiple Life Sentences for Enticing Women to South Florida to Engage in Commercial Sex Acts and Distributing Date Rape Pills,” press release, February 17, 2012.
[25] Hughes, D. (2010). “Sex Trafficking of Women for the Production of Pornography,” Citizens Against Trafficking.
[26] FAQs. (n.d.). Retrieved from https://www.unodc.org/unodc/en/human-trafficking/faqs.html#What_if_a_trafficked_person_consents
[27] Language Matters: Defining Human Trafficking and Slavery – End Slavery Now. (n.d.). Retrieved from http://endslaverynow.org/blog/articles/language-matters-defining-human-trafficking-and-slavery/
[28] National Humanities Center. (n.d.) Capture in West Africa, Accounts From the Narratives of Former Slaves, WPA Narratives, 1936-1938. Retrieved from http://nationalhumanitiescenter.org/pds/maai/freedom/text6/capturenarratives.pdf